Ciência

Satélites de Elon Musk estão 'bloqueando' nossa visão do Universo, aponta estudo

2024-09-19

As ondas de rádio da crescente rede de satélites Starlink, do bilionário Elon Musk, estão dificultando a capacidade dos cientistas de observar o Universo, conforme revelam astrônomos na Holanda.

A nova geração de satélites Starlink, que proporciona internet de alta velocidade ao redor do mundo, tem gerado interferências mais significativas com os radiotelescópios do que as versões anteriores, segundo os pesquisadores do Instituto Holandês de Radioastronomia (Astron).

De acordo com eles, a presença massiva de satélites em órbita está "cegando" observações feitas por radiotelescópios, o que pode comprometer importantes pesquisas científicas em astronomia. A Starlink, um braço da SpaceX – a empresa de exploração espacial de Elon Musk, também conhecida por sua influência na rede social X – não se manifestou em resposta a pedidos de comentário.

Além de sua atuação em conectar regiões remotas, como a Ucrânia, o Iémen e até mesmo a Amazônia, onde as telecomunicações são difíceis, o serviço Starlink tem registrado velocidades de internet quatro vezes acima da média, segundo relatório do Departamento de Digital, Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido.

No entanto, essa inovação tecnológica tem um custo que não pode ser ignorado. "Com o aumento no número de satélites lançados, a qualidade do céu que podemos observar diminui consideravelmente", afirmou a professora Jessica Dempsey, diretora do Astron. Ela ressaltou a importância de observar fenômenos cósmicos, como jatos de buracos negros e as primeiras galáxias surgindo a milhões de anos-luz de distância, que estão agora em risco devido à radiação emitida pelos satélites.

A interferência provocada pelos satélites de segunda geração é avaliada em até 32 vezes a interferência causada pela primeira geração, indica o estudo. E, de acordo com a professora Dempsey, a radiação emitida pelos Starlink pode ultrapassar os padrões regulatórios estabelecidos pela União Internacional de Telecomunicações.

Estima-se que atualmente existam 6.402 satélites Starlink orbitando a Terra a cerca de 550 km de altura, tornando a SpaceX a líder indiscutível do setor. Em contrapartida, a OneWeb, sua principal concorrente, conta com menos de mil satélites em órbita. Vale lembrar que o setor de satélites está em expansão acelerada, com a Amazon projetando lançar mais de 3 mil satélites nos próximos anos, prevendo que até 2030 o total chegue a mais de 100 mil.

A pesquisa que evidenciou esses efeitos foi realizada utilizando o radiotelescópio LOFAR na Holanda, em um único dia do mês de julho. Observações indicam que muitos corpos celestes, como galáxias distantes, emitem luz em diversas frequências, que são captadas pelos radiotelescópios. Contudo, com a interferência dos satélites, essas ondas estão sendo obscurecidas.

Os resultados dessa pesquisa, que são alarmantes, foram publicados na revista científica Astronomy and Astrophysics. O autor principal do estudo, Cees Bassa, comparou o impacto à luminosidade de uma lua cheia ofuscando estrelas menos brilhantes. Assim, à medida que a SpaceX lança cerca de 40 novos satélites da segunda geração a cada semana, o problema só tende a aumentar.

Robert Massey, vice-diretor da Sociedade Real de Astronomia no Reino Unido, trouxe à tona a urgência de ações. "Estamos diante de um problema sério que pode comprometer grandes observatórios. Precisamos agir rapidamente", alertou. Ele também enfatizou o valor da pesquisa em astronomia e suas aplicabilidades a longo prazo, que podem levar décadas para se tornarem evidentes.

Os cientistas estão igualmente preocupados com a poluição luminosa resultante dos satélites, que pode afetar também os telescópios ópticos. Apesar de já existir diálogo entre astrônomos e a SpaceX sobre a radiação dos satélites de primeira geração, o impacto da segunda geração é ainda mais preocupante, segundo as declarações do Astron.

"Descobrir isso foi um choque", afirmou Dempsey. "Esse fenômeno está ameaçando toda a astronomia terrestre em diversos comprimentos de onda. Se não houver uma mitigação, corremos o risco de enfrentar uma ameaça existencial para a astronomia", alertou.

Os pesquisadores defendem uma regulamentação mais rigorosa sobre a presença de satélites no espaço e suas operações, a fim de proteger o trabalho científico. Sem intervenções eficazes, "em breve, as únicas constelações que poderemos observar serão feitas pelo homem", concluiu Dempsey.