Nação

Caminhos de Fogo em São Paulo: Agropecuária em Desespero e Culpados na Miragem

2024-09-28

As cicatrizes dos incêndios começam a desaparecer com o crescimento acelerado das plantações de cana-de-açúcar, que agora cercam as estradas dos municípios paulistas dependentes do agronegócio. No entanto, a realidade no campo revela um panorama devastador que vai muito além das plantações.

Um mês após o auge dos incêndios, a Folha percorreu 1.100 quilômetros, partindo da capital e visitando dez municípios nos epicentros das chamas nas regiões de Campinas, Central, Ribeirão Preto e Franca. O que encontrou foi uma combinação de natureza destruída e um futuro incerto.

Durante essa jornada, relatos de produtores, autoridades e voluntários revelam um clima de medo e ressentimento. Muitos sentem que são injustamente responsabilizados pelas queimadas que devastaram suas propriedades e o meio ambiente.

Eduardo Sampaio, um produtor de cana de 55 anos, estava cético até ser convidado por um político local a compartilhar sua história. Ele mostrou com tristeza sua fazenda em Mococa, onde 2.500 hectares foram consumidos pelas chamas. "Perdi 500 hectares de mata nativa. Animais como tatus e javalis, que sempre cuidei, não estão mais aqui. É uma perda irreparável", lamentou.

Apesar da proibição do uso do fogo na colheita de cana há mais de uma década, as condições climáticas adversas transformaram palhadas em combustível, contribuindo para uma série de queimadas.

Segundo a Canaoeste, a entidade que representa produtores em São Paulo, as condições climáticas extremas contribuíram para a propagação dos incêndios. Em agosto, foram registrados impressionantes 11.628 focos, 227% acima da média histórica.

Os ventos fortes, a baixa umidade e o calor intenso foram os principais protagonistas desse desastre. Em Patrocínio Paulista, o impacto foi devastador, com produtores de leite observando as chamas se aproximar de suas propriedades, enquanto em Espirito Santo do Pinhal, ações voluntárias foram cruciais para salvar um vinhedo de um incêndio iminente.

A boa notícia é que o sentimento de unidade se fortaleceu entre os moradores, que se uniram durante as emergências. No entanto, a ação humana é apontada como a verdadeira culpada pelos incêndios. Análises da Canaoeste mostram que muitas queimadas se iniciam em áreas de transição entre zonas rurais e urbanas, onde práticas inadequadas, como a queima de lixo, criam condições propícias para o fogo.

O cenário em São Carlos, por exemplo, destaca a urbanização crescente que tem intensificado os riscos. Entre 23 de agosto e 23 de setembro, 93 focos de incêndio foram registrados, levando as autoridades a investigar possíveis causas criminosas em algumas áreas.

A Defesa Civil de São Carlos alerta que, além de identificar os responsáveis, é fundamental adotar medidas preventivas. "O clima está mudando, e precisamos que gestores públicos e privados façam investimentos significativos em prevenção de incêndios", disse Pedro Caballero, diretor da Defesa Civil.

Com a prevenção na mira, um novo capítulo se abre para a discussão sobre sustentabilidade e práticas agrícolas. O agronegócio paulista pode estar em risco, mas a luta de seus trabalhadores e a resiliência das comunidades mostram que, mesmo em face do desespero, há esperança.