Aumento alarmante nas internações psiquiátricas no DF nos últimos quatro anos
2024-11-16
Autor: Fernanda
"O tempo que passei na clínica foi doloroso, mas também necessário", relata Fernando (nome fictício), 23 anos, que enfrentou uma internação psiquiátrica devido a surtos derivados do transtorno afetivo bipolar (TAB) em 2023. "Passei quase uma semana com o pensamento e a fala acelerados, além de paranoia, agitação e ansiedade. Devido à instabilidade de humor, a agressividade se tornava frequente", reflete, associando os sintomas a um estado eufórico, comum durante episódios de mania. Após ser levado ao hospital, ele passou seis dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, subsequentemente, foi internado por três meses.
Em 2022, o DF registrou 638 internações por TAB, segundo dados do portal Infosaúde da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF). Esse número se manteve dentro da média dos últimos quatro anos, mesmo que outros transtornos mentais, como a ansiedade generalizada e o transtorno ansioso-depressivo, tenham aumentado exponencialmente. As internações por ansiedade saltaram de cinco, em 2019, para 34, em 2023, enquanto os casos de depressão triplicaram, passando de 15 em 2020 para 45 em 2023.
As consequências da pandemia de covid-19 e do isolamento social são apontadas como razões principais para esse aumento, mas o psiquiatra Raphael Boechat, professor da Universidade de Brasília (UnB), sugere que o estresse diário e o bombardeio constante de informações negativas também desempenham um papel crucial. "O isolamento foi necessário durante a pandemia, mas deixou sequelas. Muitas pessoas, principalmente as que ainda trabalham em home office, permanecem isoladas", explica.
"Adicionalmente, somos diariamente expostos a uma avalanche de informações, muitas das quais são negativas. Isso nos desgasta e deixa marcas em nosso inconsciente. As redes sociais, por sua vez, alimentam a competitividade e o fracasso, agravando ainda mais a situação", destaca Boechat. Ele sugere que a sociedade precisa reavaliar essas condições, pois o impacto delas é mais prejudicial do que benéfico.
Durante sua internação, Fernando se deparou com diversos profissionais, desde psicólogos até arte educadores. "Percebi que terapia não se restringe a um consultório", diz ele, que é estudante de artes visuais. Estável há quase um ano, ele refere-se a um novo entendimento sobre a saúde mental: "A recuperação envolve autoconhecimento e a aceitação de que a saúde mental deve ser cuidada com a mesma atenção que a saúde física", afirma.
O psiquiatra Raphael Boechat acrescenta que as internações psiquiátricas são vistas como última opção, geralmente em situações de risco. "Na maioria dos casos, os pacientes resistem à internação, pois não percebem que precisam dela, frequentemente devido a delírios. Por isso, a intervenção pode ser involuntária", explica.
Ele enfatiza que as instituições sérias buscam minimizar o tempo de internação para que os pacientes possam continuar o tratamento fora do ambiente institucional. "A contenção física e química deve ser o último recurso, seguindo diretrizes rigorosas de fiscalização e qualidade", observa Boechat.
As histórias de pessoas como a policial militar reformada Leika Verônica Botosso de Souza, 56 anos, e sua filha tatuadora Layane Monize Botosso Gonçalves, 28, exemplificam como a internação pode ser transformadora. Ambas vieram de uma família com histórico de transtornos, levando às internações em diversas ocasiões. Leika se internou cinco vezes, sua primeira experiência em 2003, enquanto Layane precisou de internação compulsória neste ano devido a um quadro depressivo profundo. A relação mãe-filha e a compreensão sobre o tratamento mostraram-se essenciais para lidar com a situação. "Nosso entendimento sobre a internação mudou; hoje a consideramos uma ferramenta de apoio e não um estigma", afirmam.
A Secretaria de Saúde do DF (SES/DF) informa que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são fundamentais para o cuidado integral de pessoas com transtornos mentais, evitando internações desnecessárias e promovendo reintegração social. Atualmente, existem 18 CAPS no DF e está previsto o aumento desse número nos próximos anos.
Entretanto, o estado enfrenta desafios sérios, evidenciados por um relatório divulgado em agosto pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), que denunciou violações de direitos humanos em algumas instituições. O relatório recomenda mudanças significativas no modelo de atendimento. A SES/DF tem trabalhado para investigar as denúncias e instituir melhorias na rede de saúde mental.
Em entrevista, Thales Caetano, psicólogo e especialista em psiquiatria, atribui o aumento de internações a fatores multifatoriais, incluindo mudanças no estilo de vida e o impacto da pandemia. "Se o atendimento preventivo fosse mais presente, poderíamos evitar muitos casos graves. A integração de uma equipe multidisciplinar é vital para esse tratamento eficaz", aponta.
A Lei Antimanicomial, que busca assegurar os direitos de pessoas com transtornos mentais, reforça a necessidade de um cuidado humano e adaptado a essas condições. É essencial que a sociedade entenda a gravidade dessas questões e atuem para mudar essa realidade, como qualquer outra condição de saúde.