A Cegueira dos Progressistas e a Classe Trabalhadora
2024-11-04
Autor: Gabriel
Se não foi intencional, é no mínimo preocupante. Os apoiadores de Donald Trump são o "lixo" da sociedade, como Joe Biden afirmou? Que reminiscência de 2016! Isso nos faz lembrar do "cesto dos deploráveis" que Hillary Clinton mencionou. Naquele cenário, metade dos apoiadores de Trump poderia facilmente ser incluída nesse cesto, e o resultado sabemos bem.
Estamos testemunhando uma repetição dessa história? Espero que não. O que realmente preocupa é a aparente incapacidade dos progressistas em aprender com os erros do passado. Retomando Hillary, sua obra mais recente, "Something Lost, Something Gained", na qual discute amplamente politica externa, não pode escapar do espectro dos deploráveis. Ela admite que sua escolha de palavras foi infeliz, porém insiste que essas palavras retratam uma verdade importante. Após os eventos do Capitólio, ela diz que "deploráveis" se torna uma designação amena.
Vamos aos números. Em 2016, 63 milhões de eleitores escolheram Trump. Se metade deles são realmente deploráveis, isso significa que temos 31,5 milhões. Durante a invasão ao Capitólio, quantas pessoas estavam realmente lá? Dois mil? Três mil? A matemática é crucial aqui, Hillary.
Longe de mim subestimar a presença de deploráveis nesse grupo. É impossível negar que haja milhares de racistas, criminosos e indivíduos de diversas naturezas comprometidas. Podem, de fato, ser milhões. Mas 31,5 milhões? Ou até 37 milhões, se considerarmos metade dos eleitores de 2020? Meu ponto é: isso não pode ser explicado apenas pela estupidez. Existe uma dissonância cognitiva entre os progressistas que os impede de enxergar a classe trabalhadora branca como um grupo digno de respeito e compreensão, em vez de serem tachados de clichês ou insultos.
A jurista Joan C. Williams, em seu trabalho essencial "White Working Class", apresenta um termo que se encaixa perfeitamente nessa dissonância: "ignorância de classe". Essa expressão reflete uma inversão da tradicional "consciência de classe" que antes era uma base sólida na ideologia da esquerda.
As transformações sociais começaram a acontecer de forma acelerada na segunda metade do século 20, explica a autora. Entre 1932 e 1968, em um período predominante de triunfos liberais, os progressistas contavam com três grupos importantes: a classe trabalhadora, os afro-americanos e, não podemos esquecer, os brancos do sul dos Estados Unidos, muitos dos quais se encaixam no verdadeiro significado da palavra "deplorável".
Com o avanço dos direitos civis nas décadas de 1950 e 1960, o Partido Democrata se distanciou do sul segregacionista e, em compensação, aproximou-se das elites urbanas e de um arco-íris de minorias que reivindicavam seus direitos.
Entretanto, essa mudança não é sem consequências. Tornou-se impossível querer agradar a todos simultaneamente. À medida que novas pautas progressistas ganham visibilidade, o vínculo entre a esquerda americana e sua base eleitoral trabalhadora se fragilizou. Como Joan Williams bem coloca, os progressistas falam diretamente para os leitores do New York Times, mas esquecem aqueles que estão na linha de frente, imprimindo o jornal.
Não se trata apenas de esquecimento; é uma incompreensão profunda, evidenciada pelas perguntas comuns dos progressistas sobre os "traidores de classe" que optam por apoiar os republicanos. Como é possível que a classe trabalhadora se oponha a iniciativas sociais equitativas? Como podem defender benefícios fiscais para os mais ricos? E o que dizer do apoio ao conservadorismo e à religiosidade?
Talvez seja pertinente lembrar, como destacou Joan Williams, que a classe trabalhadora não se deve confundir com os mais pobres. Em 2016, apenas 12% dos mais empobrecidos votaram em Trump.
A classe trabalhadora representa uma "classe média" que frequentemente denota desprezo por aqueles que são dependentes de assistência social, mas que admira aqueles que conquistaram riqueza por meio do esforço individual. No fim das contas, são os ricos que criam os empregos e mantêm as fábricas abertas.
Tanto as questões imigratórias quanto a globalização são percebidas como ameaças diretas à estabilidade de seus modos de vida. Imigrantes representam concorrência nas faixas salariais; a globalização é vista como um fator que pode deslocar fábricas, gerar desemprego e desolação nas comunidades locais. Em relação à religiosidade e ao conservadorismo, essas crenças se tornam pilares que ajudam a evitar um naufrágio – um naufrágio que nunca está muito distante e pode trazer o crime, a pobreza, a degradação social e a desestruturação familiar.
Diante de tudo isso, o que os progressistas têm a dizer? Devem insistir que não sejam considerados deploráveis? Que não sejam tidos como lixo? Pregam que mudem de cidade, de estado ou até mesmo de país? Que deixem a Bíblia de lado e procurem terapia semanalmente?
O ressentimento da classe trabalhadora, provocada pelos ataques dos progressistas, é um motor potente para Trump. Enquanto os progressistas não conseguirem curar sua própria cegueira, a chance de surgimento de populistas sem princípios só tende a aumentar. Uma reflexão importante que pode impactar não apenas a política americana, mas que serve como advertência para o mundo todo.