Saúde

Voluntários Sofrem com o Trauma de Tragédia no RS um Ano Depois

2025-04-28

Autor: Julia

Em maio de 2024, Octávio Aguiar passou a maior parte dos dias em um barco, trocando as saudades dos cumprimentos nas ruas de Eldorado do Sul (RS) pela espera atenta a cada grito que ecoava à sua volta. "O que eu vi e o que eu fiz, não sei se tenho coragem para fazer de novo", desabafa Octávio, um dos milhares de voluntários que se uniram em meio à maior tragédia da história do Rio Grande do Sul.

Um ano após a devastação, ele ainda é atormentado pelos pedidos de ajuda e pelas imagens das vidas perdidas que encontrou no caminho. As águas da enchente recuaram, mas as marcas deixadas parecem permanentes. "A cidade está vazia, como uma cidade fantasma", lamenta.

Eldorado do Sul: O Coração Partido do RS

Localizada na região metropolitana de Porto Alegre, Eldorado do Sul sofreu um impacto devastador: quase 40 mil habitantes, onde 32 mil foram forçados a deixar suas casas devido à enchente do rio Jacuí. O cenário atual revela uma triste dualidade: casas com novas camadas de tinta em um lado, e no outro, imóveis cobertos de lama endurecida até os telhados.

"Muitas pessoas que receberam aluguel social acabaram desaparecendo, nem voltaram para limpar suas casas", conta Octávio.

O Lado Sombrio da Recuperação

Clarice Cavalheiro, conselheira tutelar e esposa de Octávio, observa uma escalada preocupante de casos de ansiedade e depressão na comunidade. "Atendemos crianças cujas mães tinham pensamentos suicidas", relata. O peso da tragédia transformou Eldorado em uma cidade doente.

Durante um mês, o casal passou pouco tempo juntos, cada um dedicado a suas missões. Enquanto Octávio patrulhava a cidade de barco, Clarice prestava assistência a jovens em abrigos.

"Estávamos ajudando, mesmo tendo perdido tudo", lembra Clarice, refletindo sobre os sacrifícios feitos.

Desmobilização dos Voluntários

Com o retorno gradual das pessoas para suas casas, muitos voluntários se afastaram, deixando um vácuo na assistência. "Eles foram embora. E nós ficamos", diz Clarice, que ainda luta para restaurar a biblioteca comunitária.

O casal teve que morar de aluguel durante quase quatro meses, voltando para sua casa somente quando as paredes úmidas pararam de dar choques.

Lutando contra os Traumas

Para manter a saúde mental, evitam discutir os horrores vividos como voluntários. Octávio se recorda da dor de perder seus cinco cavalos, levados pela enchente. "Hoje, sou grato por estar vivo e lutando pela sobrevivência", afirma.

Thainan Rocha, um artista de 29 anos, também se viu envolvido nos resgates, enfrentando dia após dia o lago Guaíba em busca de sobreviventes. Após a tragédia, ele relata uma sensação crescente de desconforto ao retornar à sua cidade natal. "A inocência parece ter se perdido", reflete.

Esperança no Recomeço

Apesar das dificuldades, Thainan acredita que a união da comunidade pode trazer bons frutos. "Após a destruição, temos a oportunidade de reconstruir um futuro melhor", diz.

Mariana Dawas, uma estudante de 22 anos que foi voluntária em abrigos, fala sobre como as memórias a assombram sempre que passa pelos locais onde trabalhou. "Fico aliviada em ver vida onde antes havia destruição, mas a ansiedade volta sempre que chove forte", confessa.

Um ano após a tragédia, a luta pela saúde mental continua. "O apoio entre voluntários foi fundamental para nos mantermos firmes", conclui Mariana, destacando as amizades construídas no auge do caos.