Saúde

Tratamentos Promissores ou Ilusões? Médicos Debatem Novas Medicações para Alzheimer

2024-09-20

Os novos medicamentos Leqembi e Kinsula, que prometem retardar a progressão da doença de Alzheimer, têm gerado intensos debates na comunidade médica. Enquanto alguns especialistas os veem como uma oportunidade única de avanço na luta contra a demência, outros levantam questionamentos sobre suas reais eficácia e segurança, alimentando uma nova onda de desilusão após anos de pesquisas frustradas.

O biólogo John Hardy, uma figura importante na pesquisa sobre Alzheimer desde os anos 90, descreveu os novos tratamentos como um "ponto de inflexão". No entanto, Rob Howard, professor do University College de Londres, expressou sua preocupação de que esses medicamentos criem “falsas esperanças” em pacientes e familiares, considerando que a eficácia apresentada nos estudos é muito limitada.

O Leqembi, que atua por meio da substância lecanemabe, foi desenvolvido pelas empresas Biogen e Eisai, enquanto o Kinsula, baseado no anticorpo donanemabe, é resultado de investimento da Eli Lilly. A recepção destes medicamentos varia significativamente entre países: enquanto os Estados Unidos já aprovaram ambos, a União Europeia recentemente negou a autorização para o lecanemabe e a decisão sobre o donanemabe deve seguir o mesmo caminho.

No início de setembro, o Reino Unido optou por liberar o lecanemabe, mas negou sua inclusão na cobertura do sistema de saúde pública, acirrando ainda mais o debate sobre acesso e equidade. Apesar de os novos tratamentos serem considerados os mais avançados até agora, a redução de 30% no declínio cognitivo, que é observada apenas no início da doença, é vista como um benefício limitado. Especialistas alertam que, em um período de apenas um ano e meio de testes, essa melhora se torna praticamente imperceptível para os pacientes.

Adicionalmente, a segurança dos novos tratamentos é uma preocupação crescente, pois ambos os medicamentos podem causar efeitos adversos graves, como edemas cerebrais, que podem ser fatais em alguns casos. O custo elevado destes tratamentos também é alarmante; o preço estimado para o tratamento de todos os pacientes elegíveis na União Europeia com lecanemabe poderia chegar a impressionantes 133 bilhões de euros, um valor que os sistemas de saúde pública europeus consideram exorbitante.

Advogados dos novos medicamentos argumentam que mesmo assim, eles podem proporcionar meses de qualidade de vida aos pacientes. Além disso, muitos especialistas acreditam que a eficácia dos tratamentos poderia ser ainda maior se forem aplicados em estágios mais precoces da doença, especialmente com os avanços recentes nas tecnologias de diagnóstico precoce.

A questão do acesso a esses tratamentos levanta preocupações sobre desigualdade na saúde. Hardy alerta que “pacientes mais abastados podem buscar tratamento nos EUA”, refletindo um abismo crescente entre o que está disponível em diferentes regiões do mundo. A controvérsia também é alimentada pela hipótese da "cascata amiloide", que postula que a presença de placas de proteína amiloide é a principal causa da demência, tornando os medicamentos direcionados a essas placas o foco principal das terapias.

Por fim, o crescente ceticismo em torno dos novos medicamentos é compreensível, dado que tratamentos anteriores também foram amplamente promovidos e, após alguns anos, foram criticados por sua falta de eficácia. Organizações de pacientes, como a France Alzheimer, enfrentam pressão das famílias que clamam por tratamentos eficazes, mas garantem que a interação com as farmacêuticas não compromete sua independência. O diretor administrativo da associação, Benoît Durand, mencionou que o diálogo aberto é crucial e enfatiza a importância de dar voz aos pacientes que desejam entender as decisões regulatórias.