Proibição de Celulares em Escolas: Uma Medida Necessária ou Perigosa?
2024-11-01
Autor: Ana
No aclamado livro "A geração ansiosa", o psicólogo Jonathan Haidt discute a crescente popularidade dos smartphones entre os jovens, um fenômeno que teve seu início há aproximadamente duas décadas. Esse crescimento coincide com o alarmante aumento de casos de transtornos de ansiedade e depressão, principalmente entre meninos.
Na visão de Haidt, essa "infância digital" tem substituído os momentos tradicionais de brincadeira, resultando em consequências significativas para o desenvolvimento social e emocional das crianças e adolescentes. Os pequenos estão se distanciando das interações face a face, o que pode comprometer a sua empatia e habilidades de convivência.
Frente a essa realidade, diversos países começaram a implementar legislações para controlar o uso de smartphones nas escolas. Recentemente, a Comissã de Educação da Câmara dos Deputados do Brasil aprovou uma proposta de lei que visa proibir o uso de celulares em todos os ambientes escolares, incluindo os períodos de recreio, tanto nas escolas públicas quanto nas privadas.
Danila Di Pietro Zambianco, pesquisadora e integrante do Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral) da Unicamp, levanta preocupações sobre essa estratégia, que ela classifica como um “semi-caos”. Segundo ela, diretores e professores enfrentam dificuldades em estabelecer um diálogo produtivo com alunos e suas famílias, enquanto a escola deve ter um papel ativo em discutir temas como empatia e as diferenças entre o público e o privado.
O uso excessivo de telas pode impactar negativamente na forma como as crianças aprendem. Danila explica que a lógica dos likes e das notificações nas redes sociais se torna uma fonte de dependência. Isso influencia diretamente na construção da identidade dos jovens, que se veem pressionados a se encaixar em padrões muitas vezes inatingíveis. Recentemente, houve um aumento nos relatos de jovens enfrentando transtornos alimentares, muitas vezes incentivados por perfis que promovem dietas extremas e ideais de beleza.
No Brasil, a questão se torna ainda mais complexa. Casos trágicos de suicídio nas escolas têm gerado uma reflexão urgente sobre a saúde mental dos estudantes. Dados do Pisa indicam que estamos acima da média global em relação a casos de doenças mentais entre crianças e adolescentes. Esse cenário levanta um crucial questionamento que Haidt busca explorar: qual é a ligação entre a cultura digital e o aumento desses transtornos?
As redes sociais possuem uma característica única de exponenciar publicamente os erros, criando um ambiente onde não há espaço para falhas e aprendizado. A pressão para ser sempre assertivo é palpável, e a comunicação se torna assíncrona, dificultando as relações interpessoais genuínas.
Enquanto na convivência real existe uma série de nuances que facilitam a empatia, no ambiente online, as relações se tornam superficiais e desconectadas. Para um adolescente, a linha entre o virtual e o real muitas vezes se confunde, levando a um comportamento onde o medo de ser "cancelado" resulta em uma comunicação deficiente e evasiva.
Neste contexto, educadores têm a tarefa urgente de questionar qual tipo de convivência virtual está sendo cultivada nas escolas. As discussões sobre empatia, respeito e a diferença entre o que é público e privado precisam de uma abordagem mais radical, que vá além de palestras esporádicas. É imprescindível que o currículo escolar reserve tempo para debater essas questões.
Outros países como Reino Unido, Espanha e Bélgica já têm adotado medidas rigorosas para proibir celulares em suas escolas. No Brasil, a situação é diversa, com diversas legislações em níveis estaduais e municipais proibindo o uso indiscriminado dos dispositivos, exceto em contextos pedagógicos.
É fundamental não esquecer que os smartphones são uma parte intrínseca da vida moderna. A escola, ao se excluir dessa discussão, corre o risco de perder seu papel como agente formador. Dados mostram que aproximadamente seis em cada dez escolas no Brasil possuem regras sobre o uso do celular.
O debate não é simples. A escola precisa ser um local de formação e reflexão. A lei, nesse sentido, deve servir como uma ferramenta organizadora em um ambiente que, frequentemente, se torna caótico. Contudo, há uma necessidade urgente de diálogo e entendimento mútuo entre educadores e famílias sobre o uso da tecnologia, considerando os hábitos e comportamentos dos alunos tanto na escola quanto em casa.
Além disso, Haidt menciona um fenômeno interessante: enquanto as crianças estão superprotegidas no mundo real, no ambiente digital há uma verdadeira falta de proteção. Essa discrepância afeta a capacidade das crianças de interagir autonomamente em ambientes sem supervisão, uma habilidade que é crucial para seu desenvolvimento social e emocional.
Por fim, embora existam indicações de que a busca por conexão instantânea pode estar relacionada a essa superproteção, é necessário realizar mais estudos para entender melhor essa dinâmica. Enquanto isso, a integração e o diálogo sincero entre escolas, famílias e jovens são passos essenciais rumo a uma convivência mais saudável e equilibrada em tempos de tecnologia.