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Idlib: O Futuro da Síria Sob Governo Rebelde É Uma Incógnita

2024-12-21

Autor: Pedro

Enquanto milhares de sírios celebram nas ruas, muitos questionam até quando a era do "paz e amor" de Ahmed Al-Sharaa irá perdurar. Ele, que anteriormente usava o nome Abu Mohammed al-Jolani, é o novo líder da milícia Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), que tomou o controle da Síria em 8 de dezembro. Ex-membro da Al Qaeda até 2016, Sharaa agora procura se posicionar como um governante moderado.

Em suas declarações, prometeu um governo para todos os sírios, afirmando respeitar a diversidade cultural e religiosa do país e que não imporá a sharia (lei islâmica). Ele até se reuniu com líderes das comunidades cristã e drusa, tentando se distanciar da imagem de regime autoritário que a Síria passou a conhecer. Como parte dessa estratégia, pediu que cidadãos não exponham fotos suas em locais públicos, visando evitar o culto à personalidade, uma prática comum nos regimes de Bashar e Hafez.

Além de se comprometer com a reconstrução das instituições e uma luta efetiva contra a corrupção, Al-Sharaa anunciou eleições para março de 2025, mas as promessas ainda não são suficientes para apaziguar os temores de marginalização de minorias religiosas e restrições ao papel das mulheres.

A Folha de S.Paulo esteve em Idlib, uma província de 4,5 milhões de habitantes sob domínio da HTS desde 2017, onde são vistas as possíveis direções que um governo sob Sharaa pode tomar. Apesar de a região ter sido alvo de intensos bombardeios aéreos, sinais de recuperação, como a reconstrução de prédios e o recapeamento de estradas, são visíveis. Não há acúmulo de lixo nas ruas, e, em contraste com outras áreas sob controle do regime de Assad, há guardas de trânsito atuando na cidade.

Na praça central, um outdoor celebra a queda do antigo regime e promete uma Síria inclusiva para todos os sírios. Porém, por trás dessa fachada, opera um governo islâmico conservador, que reflete a mentalidade de boa parte da população local. A separação de gêneros é regra nas universidades, e a venda de bebidas alcoólicas é proibida. Uma justiça de raízes islâmicas e civis coexiste e, enquanto o fumo é tolerado, as mulheres devem usar hijab ou niqab, conforme as normas sociais.

Um dos habitantes de Mohambeel, Tarik Takika, expressou apreço pelas melhorias implementadas pela HTS, afirmando que a infraestrutura está melhor e os preços dos alimentos, mais acessíveis. No entanto, o seu filho, Abu Hamze, um combatente da HTS, ficou ferido em confrontos recentes.

As experiências de Takika ilustram um contraste: seu medo de retaliação sob o regime de Assad foi substituído por uma nova preocupação com a opressão sob um governo islamita. As normas de vestuário se tornaram mais estritas e a participação feminina em esferas de autoridade é praticamente inexistente desde a chegada da HTS.

Entretanto, as tensões aumentam conforme a população, especialmente comunidades alauítas, expressam medo de viver sob um regime conservador. Reema, uma alauíta de Homs, questiona seu futuro em um possível governo que poderia exigir o uso do hijab e limitações em sua vida social e profissional.

Em meio a protestos recentes em Damasco pedindo um governo secular, ressaltou-se que o regime de Assad, embora controverso, proporcionava uma forma de secularismo com maior representação feminina nos ministérios.

O novo porta-voz do governo, Obaida Arnaout, comentou sobre o papel das mulheres, insinuando que, embora respeitadas, elas não deveriam ocupar certas funções tradicionais, como a defesa. Diante da pressão social, no entanto, a HTS anunciou nomeações simbólicas de mulheres em cargos governamentais, mas a falta de mulheres em posições de autoridade ainda é marcante.

As dúvidas permeiam a comunidade, muitos temem que a chamada 'moderação' de Sharaa não passe de uma máscara que cairá com o fim das sanções internacionais, levando a uma imposição mais rigorosa da sharia. O futuro da governança em Idlib e na Síria como um todo continua incerto, atuando como um reflexo de uma sociedade dividida em meio a um histórico de conflitos.