Ciência

Grupo da USP utiliza imagens de alta resolução e tecnologia LiDAR para prever riscos de deslizamento

2024-09-24

São Sebastião, um município localizado no litoral norte de São Paulo, viveu uma crise severa durante o carnaval de 2023, onde foi parcialmente isolado devido a chuvas com volumes recordes. A cidade apresenta cerca de mil pontos identificados como suscetíveis a escorregamentos de solo. Esse dado fundamental provém de um inventário realizado por pesquisadores dos institutos de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) e de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP), utilizando imagens aéreas obtidas logo após a tragédia.

Em um esforço para melhorar as previsões, os cientistas estão agora analisando imagens de alta resolução adquiridas por meio da tecnologia LiDAR (Light Detection and Ranging). Essa técnica de sensoriamento remoto usa feixes de laser para medir distâncias à terra com um nível de precisão nunca antes alcançado na região, levando a um mapeamento detalhado das áreas em risco.

O professor Carlos Henrique Grohmann, do IAG-USP e coordenador do projeto, explica: "Estamos aplicando conhecimentos das áreas já afetadas por deslizamentos, cruzando esses dados com informações geológicas e topográficas. Enquanto modelos atuais têm resolução espacial de 30 metros, os dados LiDAR nos permitem alcançar uma precisão de até 1 metro, essencial para um risco mais confiável".

Para viabilizar essa pesquisa, o grupo conta com o apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e parceria com o Instituto Geográfico e Cartográfico de São Paulo (IGC-SP), que está criando um banco de imagens de laser para todo o Estado. Essa é a primeira vez que a comunidade científica tem acesso a dados LiDAR abrangentes na Serra do Mar.

A expectativa é que, até o final de 2025, esse novo método possa ser amplamente utilizado para identificar áreas suscetíveis a deslizamentos, influenciando o planejamento urbano e a criação de políticas públicas para prevenção de desastres.

O estado de emergência em São Sebastião foi declarado em fevereiro de 2023, após um extraordinário volume de 683 milímetros (mm) de chuva em menos de 15 horas, quando a média mensal é de 300 mm. Essa catástrofe resultou na morte de pelo menos 60 pessoas e deixou centenas de famílias desalojadas, além de severos danos à infraestrutura local. Várias estradas foram obstruídas ou destruídas, complicando o transporte e a movimentação de cidadãos.

"O que ocorreu em São Sebastião foi um evento atípico, mas precisamos estar preparados para o que está por vir. O clima tropical da região torna-a vulnerável a chuvas intensas e deslizamentos, e agora com áreas previamente cobertas por vegetação que perderam essa proteção, a situação se agrava ainda mais", observa Grohmann.

Com o agravamento das mudanças climáticas, conforme alertou o Relatório Síntese 2023 do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), eventos climáticos extremos, como chuvas torrenciais e secas, são esperados com maior frequência e intensidade. O ano de 2022 foi o mais quente da história, elevando a temperatura global em 1,1°C em relação ao período pré-industrial.

O último levantamento feito pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) em 2018 indicou que cerca de 2.200 casas estavam localizadas em 21 áreas de risco de deslizamento em São Sebastião. Considerando a tragédia, a prefeitura contratou o IPT em fevereiro deste ano para atualizar esse mapeamento.

Com uma área de 402 quilômetros quadrados e mais de 81 mil habitantes, São Sebastião inclui bairros que sofreram com os deslizamentos, como Barra do Una, Juquehy, e Camburi. Além de prevenir novas tragédias, os cientistas da USP estão utilizando imagens de drones e modelagem 3D junto com a tecnologia LiDAR para criar um panorama detalhado das áreas afetadas. Essa abordagem inovadora permitirá não apenas caracterizar as áreas de risco, mas também monitorar mudanças na topografia ao longo do tempo, fundamental para ações preventivas no futuro.

A publicação que resulta do inventário de escorregamentos em São Sebastião foi divulgada no Brazilian Journal of Geology e os dados estarão disponíveis no Zenodo, um repositório de acesso aberto. Essa pesquisa representa um passo importante no esforço contínuo para proteger comunidades vulneráveis e demonstrar o potencial da ciência e tecnologia em prevenir desastres.