Fome e Insegurança Alimentar: A Luta Que Milhões de Brasileiros Enfrentam
2024-12-30
Autor: Matheus
'Me sugeriram sair com alguém para conseguir comida!' - O desespero de quem enfrenta a fome no Brasil
Na mesma segunda-feira em que o governo brasileiro anunciou uma nova iniciativa em busca de combater a fome e a pobreza na cúpula do G20 no Rio de Janeiro, Carina se via sem opções para o jantar. A pobreza que se intensificou nas últimas décadas empurra milhares de brasileiros à insegurança alimentar.
Com apenas R$ 750 recebidos do Bolsa Família, Carina já havia consumido todo o seu benefício ao longo do mês, cuidando de sua filha Luana, que acabou de completar um ano, e precisando arcar com despesas de alimentação, fraldas e medicamentos após a cirurgia da menina. Morando há apenas cinco meses em São Paulo, após se mudar de Pernambuco, Carina e Luana esgotaram até as doações que tinham recebido de um projeto social.
"Cheguei lá totalmente desesperada. Não por mim, que já passei dias sem comer, mas para que a minha filha não ficasse com fome. Era apenas um fundo de leite restando", relata Carina. A história dela é apenas uma entre tantas que ilustram a dura realidade da fome no Brasil.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023, 8,93 milhões de brasileiros ainda vivem em situação de insegurança alimentar grave. Esses números indicam que, embora os índices tenham melhorado nas últimas décadas, a luta contra a fome ainda não acabou. Em um panorama mais amplo, 21,6 milhões de lares enfrentam pelo menos algum nível de insegurança alimentar, afetando diretamente 60,3 milhões de brasileiros.
Dentre os mais afetados, estão as mulheres, especialmente mães solo, que muitas vezes são as responsáveis por suas famílias. Isso está em consonância com a pesquisa da Rede PENSSAN, que sublinha como o perfil mais vulnerável à insegurança alimentar no Brasil inclui, em sua maioria, mulheres negras e mães com filhos pequenos.
É o caso de Mariana da Mota, uma mãe de 27 anos que vive em condições semelhantes. Ela sobrevive com sua mãe e dois filhos. O orçamento familiar é limitado, e Mariana admite que, em alguns dias, todos dormem com fome. "Passar fome a gente não passa, mas às vezes temos que fazer do almoço a janta", desabafa.
As organizações comunitárias tentam suprir essa necessidades, mas a demanda é enorme. Durante a pandemia, o Instituto Josephina Bakhita chegou a distribuir cestas básicas para 600 famílias, e mesmo hoje, continua a receber pedidos diários por alimentos.
De acordo com especialistas, a situação é agravada por fatores econômicos e sociais, incluindo os altos custos de vida nas áreas urbanas e a falta de emprego adequado, mesmo entre os que são beneficiários de programas sociais. Muitas pessoas vivendo em situação de rua ou em comunidades periféricas enfrentam desafios imensos para acessar assistência alimentar. Por exemplo, estima-se que cerca de 300 mil brasileiros estejam em situação de rua atualmente, e muitos deles não são contabilizados nas pesquisas do IBGE.
As análises sugerem que, embora programas como o Bolsa Família e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) sejam importantes, sozinhos não são suficientes para erradicar a fome. A advogada Léa Vidigal, que estudou a insegurança alimentar em profundidade, ressalta que o acesso a alimentos saudáveis e adequados é essencial. "Não se trata apenas de dar comida, mas de garantir que as pessoas tenham acesso a alimentos que atendam às suas necessidades nutricionais", afirma.
Em um cenário de crescente pobreza e desigualdade, a luta pela segurança alimentar no Brasil é complexa e multifacetada. A capacidade das políticas públicas de evoluir e se adaptar a essa realidade será fundamental para garantir que histórias como a de Carina e Mariana não se perpetuem, mas sim se transformem em relatos de superação e dignidade.