Desembargadora alerta sobre "milagre" da Justiça diante de alta demanda e a necessidade de mudança
2024-11-04
Autor: João
Com impressionantes mais de 80 milhões de processos em andamento, os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023 revelam o enorme desafio que enfrenta o sistema judiciário brasileiro. A desembargadora aposentada Christine Santini não hesitou em descrever essa situação como um "verdadeiro milagre", considerando as dificuldades enfrentadas por magistrados e advogados diante do excesso de demandas.
Durante o evento "Inteligência Artificial na Prática Jurídica", promovido pelo portal Migalhas, Christine enfatizou a urgência da adoção de novas tecnologias no Direito, semelhante ao que vem ocorrendo na Medicina, onde a Inteligência Artificial (IA) já é amplamente utilizada para diagnósticos e tratamentos.
A desembargadora observou que o sistema jurídico evolui de maneira muito lenta, preso a formalidades e processos antigos. "Na Medicina, o desenvolvimento tecnológico avança a passos largos, mas no Direito, essa atualização é um processo que se arrasta", comentou.
Entretanto, Christine fez um alerta crucial: a implementação da IA no cotidiano do judiciário deve ser feita com rigorosa cautela e transparência, evitando o fenômeno conhecido como "Black Boxing". Esse termo se refere à falta de clareza sobre como os algoritmos tomam decisões, o que pode gerar desconfiança e questionamentos sobre a segurança e a justiça dos resultados.
Ela ilustrou a preocupação com o "Black Boxing" através de um exemplo de 2016: uma máquina de IA confundiu um husky siberiano com um lobo, errando em sua análise porque associou a presença de neve como um critério determinante. "Isso demonstra que a IA não tem um julgamento humano; funciona com algoritmos que podem falhar", disse Christine.
Christine sugeriu que a Justiça brasileira poderia se beneficiar significativamente da categorização dos processos em duas áreas: demandas repetitivas, que representam a grande maioria e lidam com questões que já possuem jurisprudência consolidada, e demandas reais, que são casos únicos e exigem uma análise mais aprofundada. "As demandas repetitivas devem ser tratadas em massa, enquanto as demandas reais precisam de um tratamento individualizado", adicionou.
Ela também argumentou que a implementação de métodos de gerenciamento de projetos no sistema jurídico pode aumentar a organização e a eficiência do trabalho feito pelos advogados e juízes.
A desembargadora destacou a necessidade de modernização do sistema digital: "O Brasil precisa de um sistema que permita que os advogados peticionem diretamente em plataformas digitais, onde uma IA possa fazer a triagem inicial e gerar minutas de decisões para revisão dos juízes. Isso poderia otimizar o fluxo dos processos e evitar a sensação de morosidade que assola a Justiça", afirmou.
Christine repetiu que a responsabilidade pelo uso de IA se ancora nos profissionais do Direito, que devem estar cientes de que a tecnologia é apenas uma ferramenta e que o juiz sempre deve ser o responsável pela decisão final.
Além disso, a desembargadora defendeu a importância de uma colaboração mais estreita entre advogados, juízes e tribunais, enfatizando que todos os componentes do sistema de Justiça devem trabalhar juntos para superar as dificuldades enfrentadas atualmente. "A Justiça não é responsabilidade exclusiva do Judiciário; todos nós, especialmente os advogados, temos um papel fundamental nesse processo", finalizou.
Em um alerta contundente, Christine Santini frisou que, se o Direito continuar preso a mentalidades arcaicas, os desafios só tendem a aumentar, empurrando o sistema para a beira do colapso. "Se não nos adaptarmos e incorporarmos as inovações necessárias, ficaremos para trás", concluiu.