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A 'Porta Giratória' do Banco Central: Diretores Trocam o Setor Público pelo Mercado Financeiro em Busca de Salários Mais Altos

2024-12-24

Autor: Fernanda

Nos últimos 20 anos, uma intrigante dinâmica tem se desenrolado no Banco Central (BC) do Brasil: a maioria de seus diretores se transferiu para posições altamente remuneradas em instituições do setor privado. De um total de 33 diretores que ocuparam pelo menos uma das oito diretorias da autarquia, 22 (66,6%) saíram para o mercado financeiro após deixarem seus cargos no BC.

A situação é ainda mais impressionante quando consideramos que, antes de ingressar no Banco Central, apenas 11 destes diretores vinham do setor privado, evidenciando como os altos cargos dentro da instituição podem alavancar carreiras tranquilamente. Para comparação, o salário bruto de um diretor do BC varia em torno de R$ 18.887,14, um valor muito abaixo do salário médio de diretores em bancos privados, que pode ultrapassar R$ 62 mil mensais, sem contar bônus e benefícios.

Entre os presidentes do BC que marcaram a última década, Henrique Meirelles, que dirigiu a instituição de 2003 a 2011 e vinha do FleetBoston Financial, é um exemplo de transição. Após deixar o cargo, ele foi ao grupo J&F, associado a grandes empresas brasileiras. Meirelles foi sucedido por Alexandre Tombini, que também fez a transição para o Fundo Monetário Internacional (FMI) após seu tempo no banco. Ilan Goldfajn, que chegou ao BC em 2016, havia vindo do Itaú-Unibanco e se transferiu para o Credit Suisse. O atual presidente, Roberto Campos Neto, trabalhou no Santander antes de assumir o cargo e tem mandato até dezembro de 2024.

Entretanto, o fenômeno da chamada "porta giratória" suscita debates acalorados. De um lado, há quem argumente que isso gera conflitos de interesse, onde diretores podem ser influenciados pela perspectiva de um futuro no setor privado, comprometendo sua imparcialidade enquanto servem no Banco Central. Por outro lado, há a opinião de que é natural que profissionais recrutados do setor privado retornem a ele, aproveitando a experiência adquirida.

No Brasil, as regulamentações em relação a essa prática não são rígidas, semelhante ao que ocorre em várias partes do mundo. A única medida é uma quarentena de seis meses para ex-diretores do BC, impedindo-os de aceitar cargos em empresas que se relacionem com suas atividades governamentais. Durante esse período, eles continuam recebendo seus salários.

Interessantemente, a maioria dos diretores que frequentam o mercado financeiro privado vem de universidades com perfis ortodoxos, como a PUC-Rio, conforme revelam estudos recentes. Essa tendência, conforme aponta Eric Gil Dantas, doutor em ciência política e autor de "Os Mandarins da Economia", pode levar a decisões que beneficiem essas instituições, uma vez que muitos ex-diretores já estão alinhados com os interesses de seus futuros empregadores.

Dantas revela que, de 89 diretores do BC analisados em sua pesquisa, 67% se tornaram parte do mercado financeiro privado, com uma significativa parte vindo de universidades consideradas 'mainstream'. Para a sociológa Maria Rita Loureiro, essa situação limita a diversidade de pensamento dentro da instituição, bloqueando a entrada de profissionais com visões não ortodoxas, o que poderia enriquecer o debate e as decisões sobre política monetária.

Por outro lado, o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, defende que essa mobilidade é natural e positiva, considerando que muitos ex-diretores continuam influentes no mercado financeiro, contribuindo para a formulação de políticas relevantes mesmo fora do BC. No atual governo liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, quatro novos diretores foram nomeados, vindos de diversos segmentos, destacando a continuidade dessa prática. Essa movimentação revela não apenas o apelo financeiro do setor privado, mas também o intricado relacionamento entre as diferentes esferas da economia nacional.